quarta-feira, 7 de março de 2007

‘Há grande indignação, mas pouca reação’

Alan Gripp

Desde que presidiu a CPI da Exploração Sexual Infantil, em 2004, a senadora Patrícia Saboya Gomes (PSB-CE) passou a militar no combate ao crime. A ponto de jogar para escanteio a fidelidade partidária e criticar duramente a atuação do governo Lula. Ela diz que o combate à prostituição de crianças e adolescentes não é uma prioridade e conta que, na tentativa de sensibilizar o presidente, mostrou fotos de pedofilia com bebês para o seu chefe de gabinete, Gilberto Carvalho. De nada adiantou, afirma. A solução para o problema, segundo a senadora, está numa campanha internacional para retirar o Brasil da lista dos destinos preferidos para o turismo sexual.

Por que a exploração sexual no Brasil só cresce?
PATRÍCIA SABOYA: Porque não é um assunto que tenha prioridade, em todas as esferas de governo, seja federal, estadual ou municipal. Apesar de haver um avanço no debate sobre o assunto, não há ações efetivas de combate. Vejo casos de grande indignação, mas que produzem pouca reação. Outro problema gravíssimo é a falta de punição. Aqui e ali acontece um caso de punição.

O que falta?
PATRÍCIA: A única coisa que se faz hoje no Brasil é o programa Sentinela (do governo federal), que atende a vítimas. É preciso agir antes. Também não precisamos mais de pesquisa. Em Fortaleza, falta pôr uma cadeia ali na beira-mar e reprimir. Os governos precisam ser ousados.

O que leva uma criança a vender seu corpo por R$ 1,99?
PATRÍCIA: Muitas crianças não têm discernimento. Está banalizado, as crianças vêem como uma prática comum. Começa em casa. É como a criança da favela que tem como sonho ser bandido. É a referência dela e a ordem natural das coisas. Além das questões socioeconômicas: o sexo na infância no Brasil está relacionado à pobreza e à exclusão social.

Durante a CPI, o que a senhora viu de mais degradante?
PATRÍCIA: Foi um caso de abuso sexual em Mato Grosso. Uma mulher que tinha uma filha de 10 anos e um vereador como amante. Ele pediu a ela, como prova de amor, que lhe desse a filha para fazer sexo. Essa criança foi três vezes a um motel com o amante, entrava no porta-mala do carro. Na terceira ida, ela teve relações sexuais com a mãe presente. Depois disso, a menina foi amante do vereador até os 13 anos. E começou a pedir novas provas de amor para ela: as irmãs mais novas. A mãe foi denunciada por nós.

Por que o problema é mais grave no Nordeste?
PATRÍCIA: Não acho mais grave, talvez seja mais aparente por causa do turismo. O maior problema é que em todo o Brasil a capacidade da reação é baixa. As pessoas ficam indignadas quando vêem matérias como as do GLOBO ou vêem fotos. Cai a ficha, mas isso dura poucos minutos. Vida que segue.

A CPI revelou uma situação pior do que a imaginada?
PATRÍCIA: Essa CPI mudou muito a minha vida. Estou ficando revoltada, estou descrente de determinadas coisas. No Congresso, a gente briga por coisas tão pequenas. Minha cidade infestada de gente que vem do outro lado do mundo em busca das nossas meninas. Não dá mais para tolerar: essas pessoas têm que ser presas. Se você vai para os Estados Unidos, fica preso sem comunicação se a imigração desconfiar da cor da sua pele.

Como o Brasil deixará de ser um paraíso do turismo sexual?
PATRÍCIA: O Brasil precisa escolher o caminho que quer seguir. Temos uma grande vocação para o turismo, uma das mais justas e melhores formas de distribuir renda. Mas temos que dizer aos turistas: nós queremos muito que vocês venham, mas se descumprirem a lei vão ver o sol nascer quadrado.

O que a senhora disse ao presidente quando presidia a CPI?
PATRÍCIA: Tive uma conversa com ele quando voltávamos num vôo do Ceará. Contei das dificuldades que enfrentávamos para que a Polícia Federal investigasse as denúncias recebidas pela CPI. Ele demostrou saber exatamente o que estava dizendo, tem muita sensibilidade. Mas deixou claro que não é uma prioridade do governo dele.

É verdade que a senhora mostrou fotos de pedófilos ao presidente?
PATRÍCIA: Mostrei ao seu chefe de gabinete, Gilberto Carvalho. Eram fotos de pedofilia na internet, algumas com bebês. Eu disse: “Eu quero que vocês vejam isso, porque eu não agüento mais ficar batendo em porta de ministro, implorando para que me escutem”. Ele ficou completamente chocado, quem viu aquelas fotos ficou chocado. Mostrei também ao Aloizio Mercadante (líder do governo no Senado) e ao Márcio Thomaz Bastos (ministro da Justiça). Pensei que a partir dali iríamos desencadear uma operação permanente de combate à exploração sexual.

E o que aconteceu?
PATRÍCIA: Nada. Nunca tive retorno. Tenho profunda admiração por eles, falei com eles novamente na semana passada, mas nada. A admiração acaba diminuindo. Isso não é para mim, é para essa garotada. Ninguém está nem aí. A verdade é essa. E as meninas continuam lá...

A senhora tem alguma esperança de mudança?
PATRÍCIA: O fato de a imprensa me ouvir me deixa um pouco otimista. Também me sensibiliza o trabalho do terceiro setor. Se fosse governante, daria o dinheiro para ele. Por que o governo é frio, trata crianças como números. Temos que tratar cada criança como se fosse um filho. É difícil, as pessoas têm milhões de problemas, lutam para sobreviver, mas a situação chegou no limite.

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